Análise da cobertura do episódio do Santuário dos Pajés em Brasília.
Diferentes abordagens de um evento jornalístico
Carolina de Moraes Souza via midiaepolitica.unb.br
O artigo tem como objetivo apresentar
uma análise crítica e comparativa de duas reportagens publicadas em
jornais on-line, contrapondo as visões de um mesmo evento nos sites da Câmara dos Deputados e do Correio Braziliense.
O assunto tratado pelos veículos é a
discussão em torno da construção do Setor Noroeste, em Brasília, em uma
área conhecida como “Santuário dos Pajés”. A região é habitada por
tribos indígenas desde 1975. A construção no local teve início em meio a
muita polêmica, uma vez que manifestantes apoiadores da causa indígena
impediram o início das obras. A partir daí, as construtoras recorreram à
Justiça pedindo reforço policial para impedir que manifestantes e
indígenas não atrapalhassem a continuidade das construções.
Para avaliarmos as reportagens é
necessário o esclarecimento de alguns conceitos discutidos no
jornalismo. Inicialmente, trataremos da impossibilidade de o jornalista
ser totalmente imparcial no momento em que escreve a matéria. Pena
(2007, p. 50) explica que o tema da objetividade jornalística pode ser
relacionado à idéia de que os fatos são construídos de formas muito mais
complexas, não sendo possível interpretá-los como a “expressão absoluta
da realidade”.
Como a objetividade é um conceito
relativo, podemos afirmar que todas as coberturas jornalísticas se
diferenciam, ou seja, os fatos são reportados de diversas formas,
dependentes da visão e do enfoque dado pelo jornalista. Assim,
tentaremos pontuar as diferenças e semelhanças presentes entre as
abordagens dos veículos.
Análise dos lides
Podemos analisar as reportagens a partir
dos seus lides, presentes na estrutura básica da redação jornalística e
que, segundo Jorge (2008, p. 226), corresponde ao “primeiro parágrafo
do texto jornalístico, que traz as principais informações da notícia”.
Já para Pena (2007, p. 43), o lide tem a função de “apontar a
singularidade da história”. Essa singularidade afirmada por Pena é
determinada por quem escreve a matéria e, dessa forma, o lide satisfaz
não só a informação considerada mais importante, como também o enfoque
dado à matéria.
Para tanto, examinaremos os lides das respectivas reportagens:
Câmara.gov: “Em audiência da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias, indígenas classificaram de ilegal a ação
policial no Santuário dos Pajés, local de construção do setor
habitacional Noroeste, em Brasília. Segundo os participantes da
audiência, centenas de policiais chegaram ao local na manhã desta
quinta-feira para garantir que três empresas retomassem os trabalhos de
construção do novo bairro.”
Correiobraziliense.com: “As obras no
Setor Noroeste, que estavam paradas desde o dia cinco de outubro, devido
às manifestações de índios e protestos de estudantes, foram retomadas
por volta das 6h da manhã desta quinta-feira (03/11). De acordo com a
Polícia Militar do Distrito Federal, cerca de 80 policiais estão no
local para garantir a segurança dos trabalhadores”.
Abordagens distintas
A abordagem escolhida pelo site da
Câmara é institucional e visa informar e esclarecer a comunidade a
respeito do envolvimento da Casa no embate entre os indígenas e
manifestantes e as empresas construtoras dos prédios de apartamentos do
Setor Habitacional Noroeste. O viés da matéria aborda a discussão sobre a
probabilidade de ação ilegal da polícia contra os direitos humanos das
minorias, no caso, os indígenas.
Já o texto do Correio Braziliense, por
se tratar de jornal de grande veiculação na Cidade, tem o interesse de
mostrar pelo lide maior quantidade de novas informações sobre o assunto,
ou seja, as notícias anteriores sobre o caso ficam implícitas. É
reportada a continuidade das obras do Setor Habitacional Noroeste,
informação que interessa aos compradores atuais e futuros, às
empreiteiras construtoras no local, como também ao mercado imobiliário
de Brasília, do ponto de vista financeiro e econômico. Como o jornal em
que foi extraída a notícia é um veículo de grande audiência, a abordagem
tem público alvo definido e não possui o enfoque político verificado no
texto da Câmara.
Confirmamos as observações acima pelo
contraste dos títulos informativos das duas matérias. Na reportagem da
Câmara, o título já parte do pressuposto que o local é um santuário
indígena e sugere que ocorreu uso ilegal da força policial, fatos
motivadores do envolvimento da Casa. Na informação noticiada pelo
Correio Braziliense, o objetivo é o de comunicar o retorno das obras do
novo bairro, contudo, deixando pontuado que ainda persiste a polêmica
sobre a questão.
Pela análise das estruturas dos textos,
com base em conceitos básicos de jornalismo, é possível perceber o
objetivo do veículo que produziu a matéria, seu ponto central e os
destinatários da notícia, sem que isso revele a parcialidade do
jornalista. A construção da matéria, contudo, não deixa de ser a
interpretação do autor sobre determinado fato. Como conclui Pena (2007,
p. 51): “A notícia nunca esteve tão carregada de opiniões. E um dos
motivos é justamente atender ao critério de objetividade que obriga o
jornalista a ouvir sempre os dois lados da história”.
Referências
JORGE, Thaïs de Mendonça. Manual do foca: Guia de sobrevivência para jornalistas. São Paulo: Contexto, 2008.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. 2. Ed. 1ª reimpressão – São Paulo: Contexto, 2007.
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